” Bandas brasileiras deveriam fazer, em maior ou menor grau, o que o Huaska está fazendo” Adair Daufembach, produtor

Saudações, amigos blogonautas.
Após meses, estou de volta.

Recentemente, no Jornal do Brasil, escrevi uma matéria sobre a participação da banda Huaska em um dos sambas-enredo concorrentes na Mocidade Independente de Padre Miguel, no Rio de Janeiro. Conversei com Rafael Moromizato, vocalista da banda, além de Elza Soares e Eumir Deodato. A matéria foi publicada nesta sexta-feira à noite

Faltou, porém, um depoimento importante, por questões editoriais: Adair Daufembach, produtor da banda e uma das maiores figuras que a música brasileira possui hoje. E agora, com exclusividade, disponibilizo a entrevista com o produtor de Huaska, Ponto Nulo No Céu, Project 46, Trayce, John Wayne, Hangar, entre outras. Leia exclusivamente a segui e até o próximo post:

1) Como um produtor acostumado a desafios, o que você pensou quando ouviu o som do Huaska pela primeira vez? Foi algo do tipo ” Quero produzir isso de qualquer jeito?”
Sim com certeza! Eu adoro elementos brasileiros inseridos no meio do peso das guitarras, tanto que quando ouvi o Huaska pela primeira vez eu falei: “sim é disso que eu estou falando!!!”(rs). Acho que esse encontro entre eu e a banda era meio inevitável, pois eu lembro que eu recebi um email de um amigo meu com o clipe do Huaska e ele (sabendo como é a minha filosofia de produção) escreveu no mesmo: “cara essa banda é a sua cara, você tinha que trabalhar com eles”. Duas ou 3 semanas depois, por intermédio da Ponto Nulo no Céu, o Rafael me ligou.
Eu acredito que todas as bandas de rock/metal brasileiras deveriam, de alguma forma, fazer o que o Huaska faz em maior grau que é transparecer que são daqui, não tem sentido uma banda brasileira querer tocar um estilo musical que foi inventado fora daqui (Europa/EUA) exatamente igual a como as bandas de estrageiras fazem. Não é por nada que as bandas de maior repercurssão internacional brasileiras foram o Sepultura e o Angra, pois na primeira ouvida as pessoas sabiam que era uma banda brazuca.
2) Eumir Deodato elencou você como parte fundamental do sucesso do Huaska até agora, principalmente pela bela produção do disco Samba de Preto. Comente esta declaração e a possibilidade de trabalhar com o Eumir.
Cara, fico mais do que honrado em ouvir uma declaração dessas, é emocionante, pois o Eumir é parte fundamental de uma das fatias mais importantes da história da música brasileira, ter trabalhado com ele foi uma escola, é impressionante como uma pessoa com um currículo tão invejável possa ser tão tranquila e tão humilde, era muito engraçado, pois eu e os caras da banda estavamos pilhadíssimos com a produção do disco e os dias de gravação mais tranquilos foram os com o Eumir, sendo que as cordas eram “teoricamente”a parte mais complicada de se gravar. No dia da gravação das cordas várias pessoas que estavam no estúdio choraram, o cara é um gênio da música mundial.
3) No vídeo sobre a produção do disco, você comenta sobre as influências tão díspares dos caras do Huaska. Como você reagiu a isso tudo na produção do disco?
Era uma sensação boa por estarmos fazendo algo que eu acredito ser inédito, algo muito raro hoje, mas ao mesmo tempo desesperador(rs)! Porque nesse trabalho literalmente tinha momentos em que eu não fazia a menor idéia de como encaixar as coisas, principalmente o violão em cima das guitarras. Guitarras em geral na mixagem são um monstro que engolem tudo e violão um instrumento super delicado, tipo… o que fazer? (rs). Para melhorar tudo, no disco o que mais tem são parte em que os dois instrumentos estão “bombando” na frente de tudo. Foi tenso mas muito recompensador.
4) Se o samba dos caras do Huaska ganhar a disputa na mocidade, você irá à Sapucaí? Qual será a sua fantasia? hehehehe
Cara, já combinei com a minha esposa que nós iremos com certeza! Porém, Confesso que não pensei ainda numa fantasia… sei lá de repente eu até tente desfilar pela escola!! kakakakakkak
5) Você se imaginava tão dentro da bossa nova e do samba na produção de um disco de heavy metal? Você mesmo passou a ouvir esses estilos depois da produção do Samba de Preto?
Cara agora nos ultimos 4 anos eu tenho me aproximado muito de música brasileira, passei a gostar de verdade e inserir vários sons nos meus playlists, mas os caras do Huaska realmente conhecem muito de música brasileira, o contato com eles me fez aprender muito, conforme eu falei no documentário sobre a gravação, tinha uma situação que era bizarra, nós estavamos na sala gravando e falando sobre, por exemplo, o Korn, Deftones e o Linkin Park, de repente eu ia ao banheiro e quando voltava estavam todos na sala discutindo sobre Tom Jobim, João Gilberto, Elza Soares e por aí vai… isso era realmente estranho, ou melhor, isso era “Huaska” !! hehehehehee…

Memória do Rádio- Parte 2

Nessa última parte, depoimentos de Dona Janete(viúva de Doalcei), Cláudio Perrout(repórter do Sistema Globo de Rádio), Luiz Penido(locutor esportivo da Tupi à época), José Carlos Araújo(Locutor Esportivo da Rádio Globo) e Tony Vendramini(repórter da Rede TV!)

Matéria STF

Matéria STF

Saudações, amigos! Após longo e tenebroso inverno, volto a publicar neste espaço, e com uma novidade: agora, também vou colocar matérias minhas veiculadas pelos 900 Am da Rádio Tamoio. A primeira é sobre a decisão do STF sobre o aborto de fetos anencefálicos. Os três entrevistados são feras no assunto. Eis ai a matéria na íntegra. Curtam, compartilhem, desgostem….mas deem suas opiniões nos comentários!!

Valeu e até a próxima

Linha tênue no Fluminense

Fred mandou mal ao pedir para não jogar. Há quem diga que ele pode deixar o Fluminense Arquivo/AE

Frederico Chaves Guedes, 27 anos de idade, foi visto com um amigo em um bar em Ipanema na última terça-feira. Era seu dia de folga. Na mesa, 60 caipisaquês, segundo as informações que estão na boca do povo. Após ter sido visto no local por pessoas que acreditam no seu trabalho como palhaço de circo, foi imediatamente repreendido e levado para casa. Dois dias depois, em mais um compromisso no qual sua presença era indispensável, Frederico disse que não tinha condições psicológicas para estar presente e pediu para os donos do picadeiro deixarem-no descansar, ao invés de cumprir o seu dever e fazer o show continuar. Esses, então, atenderam o seu pedido.
Em primeiro lugar, vamos deixar claro uma coisa: Não sou e nunca fui fã de certa modalidade do jornalismo em que uns e outros ficam cagando regra a respeito de onde, o quê e com quem o jogador faz quando está fora dos gramados.  Levando em conta a frase em negrito no primeiro parágrafo, reproduzo aqui um clichê que considero verdadeiro: se não estiver comprometendo o desempenho do jogador em campo, este pode protagonizar as esbórnias que quiser. Se para cada gol em campo houver uma dose de caipisaquê, que assim seja. Qualquer um está livre para fazer o que quiser do seu tempo livre, longe da patrulha. A única coisa pedida é bom senso e discrição: O primeiro para saber quando se pode ou não dar uma saída pela cidade; a segunda para evitar maiores repercussões, que os jogadores sabem muito bem que serão negativas(e os jornalistas também).

Mas…..jogador profissional dizer que se sente ameaçado e não se sente em “condições psicológicas” de jogo? Ainda mais depois de ter fugido dos torcedores no bar, segundo testemunhas? Repetindo, não tenho nada a ver com o que Fred faz na sua folga, e não sei talvez o que passa na sua vida desde então. Agora, me digam: você, se fosse jogador de futebol, teria como dar uma resposta melhor do que dentro de campo, marcando gols e ajudando sua equipe a conseguir vitórias?  O que Fred protagonizou com esse episódio é um lamentável desrespeito à instituição Fluminense e aos torcedores do clube. Não os papagaios de pirata e patrulheiros que existem em todos os clubes do Rio de Janeiro, mas os que pagam ingresso e tem seus ídolos. Fred é um deles, e poderia ter tido uma melhor assessoria nessa história toda, agido diferentemente.

Já há por aí boatos de que o jogador estaria querendo forçar uma saída do clube. Com apenas 6 jogos disputados na competição, ainda seria possível uma transferência dentro do futebol doméstico. Mesmo que não seja verdade, dá margem a interpretações duvidosas. Muitas vezes, estas últimas são piores que as mentiras.

Os jogadores e o técnico Abel Braga declararam, após a vitória, que correram em campo por Fred. É perceptível a liderança no grupo tricolor exercida pelo jogador, e não duvido que  seja uma liderança, na maior das vezes, positiva. Abel declarou sobre o assunto: ” Vamos preservar o nosso ídolo”. Sendo assim, o ídolo poderia ter tido uma atitude bem diferente. O exemplo usado no início do texto retratava Fred como um palhaço. Esse papel mudou de mãos após o episódio, e quem está com todo o aparato cômico, agora, é o torcedor e a diretoria do Fluminense, desrespeitados como foram por um de seus “ídolos”.

Há realmente uma linha muito tênue nessa história. Se encontra o direito de ir e vir do jogador e o respeito deste último para com a torcida e o clube. Houve erros, basicamente, de todas as partes: dos torcedores , que não tem a menor necessidade de patrulhar a vida de atletas fora de seus campos de atuação; da diretoria, em ter permitido que o jogador desfalcasse a equipe em uma partida tão importante; além, claro, do próprio Fred, que não pode ter tanto desprendimento quanto às suas responsabilidades no clube. Que aja de acordo com elas.

Até o próximo post, amigos.

Tudo que eu vejo – fragmento IV

De repente, fez-se a luz. E, ao redor dela, notas viajando entre as lacunas do espaço-tempo. Mínimas, semíninimas, uma profusão de semicolcheias em uma sinfonia terrivelmente bela, com timbres nunca ouvidos até então pelos nossos ouvidos medíocres e sem apuro. Não havia rallentandos, pianíssimos e pausas naquele lenta rapidez…..E ainda assim, todo aquele belo quadro, ouvido ao longo do infinito e erigido com as cores mais belas e formas mais inusitadas, era capaz de ser sentido em toda a sua plenitude furiosa. Era, sem sombra de dúvida, uma manifestação de perfeição.

E foi exatamente este fato que despertou Sérgio Malheiros de seu torpor. Afinal de contas, como poder presenciar aquele quase divina junção de melodia, harmonia e ritmo sem estar absolutamente fora do mundo em que vivia, se decepcionava e do qual pensava um dia poder estar livre para, enfim, reencontrar-se com sua inspiração. A felicidade derradeira, afinal. Não fazia mais muita questão de viver naquele mundo de carne e osso, limitado e sem maiores horizontes, e no fundo sabia que estava preparando o terreno para quando esse dia chegasse. Os problemas de saúde, o estresse, as drogas, foram apenas de um prelúdio para a obra de maior sucesso de sua vida nos últimos 12 anos: a morte inglória e patética em um banheiro de aeroporto.

Sérgio se moveu assustado pelas luzes que começaram a se entrelaçar entre ele e o vazio. Sim, seus olhos não haviam se enganado, pois ele conseguia vê-las se movendo sinuosamente, tomando formatos quase femininos que se olhavam languidamente, antes de se tornarem um só ponto luminoso no espaço. E seus movimentos foram ficando cada vez mais frenéticos.

Enquanto tudo isso se desenrolava, tal qual num passe de mágica, as notas foram acompanhando as luzes, e elas dançavam harmônica e harmoniosamente, em um prestíssimo arrebatador.  Ele pensou que poderia estar louco e que nada do que estava acontecendo naquele momento era real.

Mas, pensou: em última instância, o que poderia ser chamado de real? E descobriu que, por agora, aquilo não importava. Tudo que precisava, e queria, era aproveitar aquele momento

Foi quando, após um longo acorde que pareceu envolver o mundo inteiro, fez-se o silêncio. E o que era branco, luminoso e sem formas definidas logo começou sua metamorfose. A solidão que começava a se avizinhar, simpaticamente, agora tinha companhia. E ela não era nada simpática.

Sim, Sérgio percebia, naquele momento, que havia algo naquela mudez, que naquele não som residia. Algo que, na escuridão pujante, se escondia. Que mentia para fazê-lo pensar que estava tudo bem e tranquilo quando obviamente não era assim. Que morria a cada instante apenas para renascer mais amedrontador no instante seguinte, em um eterno retorno. Noves fora ele não sentir o ar correndo em seus alvéolos pulmonares, ele sentia aquela presença desconhecida e ameaçadora pulsar, e sua respiração era tal qual um vento gelado, anunciando o inverno de sua alma, em tons inexoráveis de branco e cinza. O medo invadiu Sérgio de tal forma que ele jamais havia experimentado antes, em vida. Agora, que não possuía uma vida para perder, é que o medo mostrava sua face mais destruidora e cruel.

Seus passos se dirigiram para trás, em direção à escuridão. Para onde ele ia? Não se sabia. Tudo era incerto.

Tudo que eu vejo – fragmento III

III

Redação do jornal Diário do Rio, na rua Santa Maria, 147. Localizada na divisa entre o Estácio e a Praça Onze, é uma parte da cidade com características bem peculiares.  A rua que abriga a redação segue em frente, ultrapassando um quilômetro de extensão e passando por diversos pontos quase até o Sambódromo da cidade. Os caminhos que saem dela podem tanto levá-lo à zona Norte quanto à zona Sul, e tudo depende da direção a se tomar. Em dias de sol(e como eles são comuns no verão carioca), o calor descomunalmente intenso assola todos os que se encaminham, a passos largos, rumo ao imponente(?) prédio. Em dias de chuva, a rua costuma alagar em um piscar de olhos, dificultando a saída de todos os infelizes presos naquela jaula de perversidade que era a redação do Diário.

Tá bom, estou só pintando quadros com linhas exageradas. A maioria das pessoas que trabalhava ali tinha alguma decência, e não pretendia passar por cima de ninguém para conseguir os seus objetivos. Mas era grande a cambada de puxa-sacos, malditos jornalistas medíocres que precisavam afagar o ego dos chefes para conseguirem algum respeito lá dentro. E esse era um dos aspectos com os quais Guilherme Marques não se identificava dentro da profissão. Ou pelo menos, não ultimamente.

( Ao leitor, uma declaração importante: não há seres unidimensionais nesses escritos. Tal qual na vida, não há pessoas que sejam minimamente próximas de chegar a pensar na possibilidade de perfeição. Nem heróis e nem vilões, em seus maniqueísmos incoerentes. O que vocês verão aqui são apenas pessoas.Em suas atitudes majestosas e em suas mais animalescas decadências… pessoas. Dito isso…)

Guilherme não era um cara especialmente marcante. Pelo menos não à primeira vista. Ainda tentando emagrecer mais e ficar em forma depois do término com a namorada, seus óculos meio tortos, meio inexpressivos, impediam que algumas pessoas soubessem que ele tinha olhos verdes, por exemplo. O cabelo baixo lembrava um corte militar, carreira que ele jamais imaginaria pensar em seguir. As calças jeans, surradas pelos meses de uso, praticamente eram sua segunda pele. Ou melhor, a primeira. Suas camisas, básicas até demais, acabavam por dar um toque extra de não-charme à sua presença na maioria das vezes. Mas independente de todos esses fatos, Guilherme era um cara querido: fosse pelos amigos, fosse pela família e até a maioria dos colegas de trabalho que, à sua maneira, demonstravam por ele seu apreço e amizade. Mas….

Ali, Guilherme se sentia preso. Com poucas possibilidades de crescimento profissional. Queria poder partir para novas veredas dentro do jornalismo, dentro do rádio( uma de suas recentes paixões) ou mesmo na literatura, por que não? Até mesmo tentar novas pautas, diferente do factual engessado e condicionado do dia a dia de uma redação. Não por acaso todas as últimas tentativas de falar com editores sobre novos direcionamentos para as matérias de cada dia haviam falhado miseravelmente. Guilherme encontrava-se, atualmente, redigindo notas policiais que ele costumava copiar de outros sites. Função até certo ponto importante, mas com nenhum resquício de brilho ou talento necessários. Brilho e talento que ele, antes de tudo, precisava saber se possuía. Em seguida, fosse o caso, exercitar esses nobres nomes que em poucos momentos, na história do ser humano , estiveram realmente amalgamados. *Reparem a pretensão do narrador

Havia ainda o momento pelo qual Guilherme estava passando. Seu término de namoro havia sido levemente conturbado. Desculpas, insatisfações, o doloroso clichê: “ Não é você, sou eu”….tudo aquilo estava presente no pacote, e estava sendo difícil, ele pensava, passar por tudo aquilo incólume. Um amor, para passar, muito se demora. E, às vezes, ele nunca vai embora. Quem sabe poderia surgir alguma garota nova…quem sabe não.

A vida seguiria seu curso, mas para onde?

Para trás, quando da tentativa dele, Guilherme, de sair pelas noites bebendo e conhecendo garotas que nada acrescentariam em sua vida, se tornando apenas uma memória obscura da noite anterior da qual, por vezes, você não faz a menor questão de lembrar? E trabalhar em tais condições, físicas e espirituais?  Como prosseguir?

Para frente, em busca de sucesso, fama e fortuna que poderiam não vir nunca? Tentar caminhos obscuros, pelos quais não se sabia onde poderia terminar? O desconhecido a espreitá-lo a cada negação, a cada surpresa desagradável?

(percebe-se a pouca vocação deste rapaz para o otimismo)

E mesmo aos lados, em que estagnaria no mesmo ponto, mudando apenas o sentido do seu caminhar. Perambular de um jornal para o o outro, talvez para alguma assessoria, nunca poder utilizar seus possíveis talentos para a escrita da maneira mais apropriada.

Seus devaneios foram interrompidos pela voz comicamente fina do editor do jornal:

– Gui, eu preciso de você lá no Copa D’or.

– Que que tá pegando, Marcelo?

– Ah, nada, é só porque teve aquele escritor….que escreveu aquele livro, “ Canção de Lótus”…me esqueci o nome dele…

– Sérgio alguma coisa?                                                                            .

– Sérgio Malheiros, isso! Bem, ele teve um derrame no aeroporto e foi pro hospital. Todos os sites estão dando isso, e o jornal não pode ficar sem dar. Ainda tá cedo, manda por telefone algumas informações que eu peço pra alguém bater a nota pra você. Vai lá, já tem o carro te esperando.

– Quer que eu leve um fotógrafo?

– Não, isso ai é coisa pequena. Ele já foi muito famoso, mas tá na merda há um tempo. Amanhã, chega um pouquinho mais cedo pra escrever o obituário dele. Vamos ver em qual dia da semana esse desgraçado, morre, hein?

Vendo que Guilherme não rira de sua demonstração de humor mórbida, Marcelo prosseguiu:

– Bem, é isso ai. Se cuida lá e liga pra cá se der alguma merda. Tu sabe o ramal,né?

– Uhum.

– Tranquilo então, vai na fé.

Ao ouvir a última palavra ser proferida, Guilherme já ia desligando o seu computador preto e se levantava de sua cadeira, que ele já sabia que não seria a mesma do dia seguinte, assim como não fora a mesma do dia anterior. Ladrão de cadeira era o segundo ofício dos jornalistas ali presentes.

Foi saindo da redação, rumo à noite carioca. A gráfica do jornal, que era anexa à redação, oferecia uma trilha sonora apropriada para aquele momento: toneladas de papel sendo inseridas nas máquinas que processavam e davam forma ao jornal, com editoriais, calhais, anúncios, matérias, coordenadas,infográficos…histórias a ser contadas e supostos interesses da sociedade escancarados naquelas páginas.

Nem pensou que sairia de lá depois de algum tempo sem ir à rua, que sairia daquela rotina maçante da redação, de computadores com defeito, programas de edição que não funcionam, uma cantina com péssimo cardápio, enfim… Afinal de contas, ele tinha a absoluta certeza de que nada iria mudar.

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O táxi já estava ali, à sua espera. Rapidamente abriu a porta do veículo -amarelo à sua frente e sentou-se na parte de trás.

– Já preencheu o Voucher,amigo? – perguntou o taxista.

– Tá aqui, irmão. Vamos lá pro Copa D’or, por favor.

Assim que o táxi começou a se mover , ele trocou a música que estava ouvindo em seu ipod. Se até então ele estava viajando nas duas guitarras ondulantes do Wishbone Ash, agora toda a sua atenção se prendia a alguns acordes tocados no violão e também ao piano. Aquela melodia melancólica, praticamente a angústia em curvas acústicas, não lhe deixava dúvidas: estava ouvindo Savatage. O carro acabara de passar pela portão de ferro automático, para longe da Rua Santa Maria, e Guilherme ouvia Jon Oliva começar a declamar a letra. Era um vislumbre de esperança para quem, como ele, tinha no pessimismo um amigo fiel e a derrota como um fim inexorável. Principalmente nos momentos de desequilíbrio em sua vida, como ocorria então.

“ Não há vida tão curta que não haja reviravoltas

Não podes passar a vida vivendo abaixo da terra

Longe, lá de cima, não se ouve um som”
Os violões tomavam novamente a dianteira da canção. Dessa vez, havia um som mais alegre, uma possível chance de levantar-se, a fim de mandar às favas as dificuldades e se recompôr para um novo dia.

“ E estou aqui fora, esperando

Eu não entendo o que você quer que eu seja

É o escuro que você está odiando,

Não é quem eu sou, mas você sabe

Que é tudo o que você vê”

Volta ao fundo a melodia inicial. Mal percebe Guilherme que o taxista já estava atravessando o túnel Rebouças. Ele fatalmente faria o caminho mais longo até o Copa’Dor. Mas dane-se, pensou Guilherme, se quem iria pagar por aquilo era o jornal mesmo. Voltou suas atenções para o que estava passando pelos seus ouvidos adentro, chegando ao seu registro cerebral. E falava ao coração.

“ Não há vida tão curta que nada se aprenda

Não há chama tão pequena que nunca se esvaia

Não há página tão certa que jamais se vire”

Após o refrão, as cordas de um violão se insinuam a criar notas solitárias no ar, como se fossem uma voz a mais para a música. Guilherme agora se recorda porque sempre ouvia esta música quando estava no fundo do poço. Já se sentia incrivelmente melhor, disposto a esquecer tudo o que lhe afligia, ou pelo menos armazenar esse vasto material emocional em um canto seguro de sua mente, para que pudesse desempenhar ao máximo suas capacidades.  Assim como dizia a letra,“ Enquanto um milhão de vidas vem e vão, passam por esta mesma nesga de chão”. Ele não queria ser apenas mais um número, mais um zero. Não queria passar despercebido em sua trajetória pré-tumba. Fosse entre os colegas de profissão, fosse com os amores vindouros de sua vida.
E queria aproveitar esta última, por sua vez, ao máximo. Afinal, nada mais ela era do que uma colagem de momentos como aquele, tristezas e alegrias num piscar de olhos, em um par de acordes. A música, a dança….Tudo estava inserido naquele momento, e em tantos outros que já haviam passado. Assim como em tudo o que estaria por vir. Se seu destino estava definido ou não, nunca importou muito a Guilherme. A incerteza era sua guia, lhe norteava como um viajante e sua bússola. A partir dali, não queria ter mais medo de tentar. Acima de tudo, queria arriscar.

Chegara ao seu destino. Após algo que lhe pareceu um tempo de 20 minutos mais ou menos, estava na frente do Copa D’or. Entregou o papel do Voucher ao taxista e saiu do carro com sua mochila nas costas. Havia agora uma missão a ser cumprida. A música que ouvira no carro lhe dera um novo ânimo para alcançar suas metas. A partir dali, prometeu Guilherme a si mesmo, tinha início uma nova etapa. Viver era uma jornada incerta, e ali era apenas mais um desdobramento da estrada a ser percorrida.